O Programa Karate Do entrevista o Sensei Maurício Cantão,3º Dan de Karate Kyokushin, presidente da Associação Baiana de Kyokushin
Karate - Valença/Bahia
Programa Karate Do - Sensei, conte-nos um pouco da sua história nas artes marciais e sua trajetória principalmente dentro do Kyokushin.
Maurício Cantão - Desde muito cedo as artes marciais me fascinaram. Comecei no judô aos 08 anos, obtendo a faixa laranja. Depois emigrei para o Karate shotokan e fui até a faixa verde. Aos onze anos ingressei no Kyokushin Karate de onde nunca me afastei e permaneço até hoje na condição da faixa preta 3º Dan. No ano de 1993 fiz um estágio de 06 meses na academia do Shihan Seiji Isobe, onde fui Uchideshi (aluno interno). Nessa condição, o aluno mora da academia e é obrigado a treinar todos os dias, todas as sessões de treinamento. De acordo com o fluxo de aulas da academia na época, eu tinha que cumprir uma jornada de mais de 18 sessões de treinamento por semana. Caso houvesse uma falta sequer, seja qual fosse o motivo (lesão, doença, etc.), eu estava fora! Nessa ocasião treinei diretamente com Shihan Isobe e Shihan Francisco filho que era instrutor da matriz na ocasião. Atualmente meu professor é o Shihan Sérgio Alves – 6º Dan, radicado na cidade de pelotas-rs, presidente da federação brasileira de Kyokushin Karate e filiado a “world all Kyokushin Karate union”, que tem como presidente o Hanshi Hussein Suleiman – 8º Dan, aluno direto do sosai masutatsu Oyama.
Programa Karate Do - Sensei, atualmente qual é o seu grau dentro do Kyokushin Karate?
Maurício Cantão - Tenho 32 anos de pratica do Karate e sou faixa preta 3º Dan. O meu Shihan Sergio Alves sempre diz: “a cor da faixa ou o número de dans que você ostenta não muda o seu Karate. o que muda seu Karate é o treino diário, repetitivo e por longos anos! o Karate é um caminho para toda vida!”. Sosai Oyama dizia que “-com 1000 dias de treinamento você se torna um iniciante e somente com 10000 dias de treino você se torna um mestre”.
Programa Karate Do - Sensei Maurício Cantão, com alguns filmes referentes ao mestre Oyama como o antigo filme de produção japonesa "Combate mortal" de Sonny Chiba, onde claramente alguns fatos da vida do Shihan Oyama são retratados na vida do personagem do filme interpretado pelo próprio produtor, ator e lutador Sonny Chiba, que no filme possui o nome Oyama assim como o filme moderno com o nome “Fighter in the Wind” com o título em português “Oyama o lutador lendário”, são filmes que nunca sabemos o que tem de real ou onde há licença poética. Você poderia nos contar um pouco da história do mestre Oyama e da história do seu estilo Kyokushin.
Maurício Cantão - Os filmes sempre trazem em seu contexto certo grau de licença poética. Muitas coisas ali inseridas são reais e outras ficam por conta da arte e do entretenimento. O segundo filme mencionado (Fighter in the Wind) trata-se de uma produção coreana e o mesmo deixou bem visível as divergências históricas existentes entre japoneses e coreanos, notadamente no que pertine ao tratamento que os coreanos imigrantes receberam no Japão daquela época, como também, a despeito da “paternidade” do Kyokushin. O fato é que masutatsu Oyama nasceu na coréia e mais tarde se naturalizou japonês e criou o Kyokushin no Japão. Antes da criação do Kyokushin sosai Oyama já possuía, dentre outros, alta graduação no Shotokan, Goju Ryu e Judô. Quando vivo, sosai Oyama lançou vários livros onde nos relata muitos episódios de sua vida. Vale dizer que a vida de masutatsu Oyama, principalmente na sua juventude e início de sua trajetória, foi muito conturbada, sendo tal conturbação apenas um reflexo do caos que imperou no Japão do pós-guerra. Para nós, do Kyokushin Karate, o sosai Oyama foi e é um pai, um herói e maior exemplo de artista marcial de todos os tempos. É lógico que para quem não é do Kyokushin, isso já não corresponde à realidade. Isso é natural! Sosai Oyama morreu em 1994, mas sua lembrança continua viva em cada dojô onde se pratica o “autêntico Kyokushin Karate”! O legado de um homem fala por si só!
Programa Karate Do - Como você vê as diferenças entre os estilos de Karate? Em sua opinião desde sua criação o Kyokushin, teve mais diferenças técnicas ou políticas se comparado aos estilos de Okinawa como o Goju Ryu, Shito Ryu assim como o Shotokan Ryu?
Maurício Cantão - As diferenças abrangem alguns conceitos técnicos e filosóficos, todavia, são mais de natureza política, como também, no que pertine às regras de competição. Cada estilo levará vantagem quando o campo de atuação for de acordo com suas regras. Ademais, não podemos confundir o “Karate de competição” com o “Karate marcial”. No Karate esportivo há golpes válidos e proibidos. Há também áreas do corpo que podem ser golpeadas em detrimento de outras, assim como, “armas do corpo” que podem ser utilizadas e outras não. Já no “Karate marcial” não existe limitação ou proibição de qualquer natureza nesse sentido. “vale tudo” mesmo!
Programa Karate Do - Sensei Maurício, de acordo com as nossas conversas que foram muitas nos tempos do Orkut, posso dizer que temos a mesma visão sobre as artes marciais tradicionais sejam elas japonesas ou não. Podemos dizer que independente dos nossos estilos e de graduação somos soldados em prol da mesma causa, ou seja, a sobrevivência do velho espírito do Karate de Okinawa, que tanto o mestre Oyama assim como alguns outros mestres como Gichin Funakoshi lutaram para que sobrevivesse. Diante disso, o que você acha do futuro do Karate de um modo geral, seja o Kyokushin ou outros estilos de Karate num universo onde de um lado temos o Karate sendo divulgado apenas como esporte ou o MMA que não tem como proposta defender bandeira tradicional alguma?
Maurício Cantão - O atual “MMA” foi criado pelos Gracie sob a falsa alcunha de “vale tudo”. Nunca foi e não é “vale tudo”! “vale tudo” de verdade só ocorre em uma “briga de rua”. Em “briga de rua” não há regras, não há árbitro, não há pontos, não há falta, não há desclassificação, não há médico, não há tatame, não há comando para iniciar, parar, retornar, não há respeito, lealdade, enfim, dificilmente uma situação real de “vale tudo” será reproduzida dentro de um dojo ou mesmo dentro de uma competição, seja qual for o seu formato. O que existe, são diferentes estilos e competições, cada um à sua maneira e de acordo com suas regras, tentando se aproximar ao máximo de uma situação real de “vale tudo”. com o “MMA” não é diferente! A filosofia do “Karate marcial” é transformar todo o corpo humano em uma arma. Assim temos que pés, punhos, joelhos, cotovelos, cabeça, dedos, garras (unhas), presas (dentes), etc., são partes do corpo humano que deverão ser utilizadas pelo karateca em caso de uma situação real de “vale tudo ou briga de rua”. Todavia, as regras de “mma” foram elaboradas de forma a possibilitar aos lutadores de Jiu Jitsu enfrentarem e subjugarem os karatecas e outros “strikers”. E muitos karatecas caíram nesse engodo! Vejam que em todas as lutas corpo a corpo (judô, Jiu Jitsu, graplling, wrestling, luta livre, submission, sambo, “mma”, etc.) não são permitidos ataques nos olhos, ataques nos genitais, ataques na nuca, na coluna vertebral e ataques com as presas (dentes) ou com as garras (unhas) em qualquer parte do corpo, pois tais armas do corpo e respectivos ataques simplesmente inviabilizam a forma com que tais lutas (de solo) vêm sendo praticadas, notadamente o tão badalado “mma”. Na minha trajetória já fiz alguns desafios de “vale tudo” e o Kyokushin Karate sempre supriu as necessidades decorrentes de tais confrontos. Fico decepcionado em ver muitos faixas pretas de Karate enchendo as academias de Jiu Jitsu sob a alegação de tornarem sua arte completa, entretanto, se fazem isso, é porque o seu Karate deve, de fato, ser “incompleto”! O meu não é!Esclareço que não estou fazendo alusão a grandes karatecas que se tornaram profissionais e estrelas do mma como Lyoto Machida e George Saint Pierre. A opção deles foi exclusivamente profissional. Desta forma, como eu não luto mma, não tenho necessidade de aprender boxe, Jiu Jitsu, wrestriling, Muay Thai ou qualquer outra luta. O Kyokushin Karate “marcial” já me basta. Sempre me bastou!
Programa Karate Do - Sensei, como é a graduação no Kyokushin?
Maurício Cantão - segue o sistema de faixas coloridas criadas por Jigoro Kano do Kodokan (judô) e que depois foi adotado por todos os demais estilos de arte marcial japonesa. Cada estilo tem sua ordem e cores. No Kyokushin temos o seguinte: faixa branca - 10º Kyu, faixa laranja – 9º Kyu, faixa azul – 8º e 7º kyu, faixa amarela – 6º e 5º kyu, faixa verde – 4º e 3º kyu, faixa marrom – 2º e 1º kyu. Depois temos o nível de faixas perdas que vai do 1º Dan até o 10º Dan, esse último nível geralmente concedido post mortem, salvo raras exceções, quando é outorgado, a título de homenagem e reconhecimento, há mestres antigos com grande histórico e serviços prestados ao estilo. Vale dizer que no Kyokushin, por exemplo, não se faz um exame para faixa verde 4º kyu e depois outro exame para faixa verde 3º kyu. Não é assim que acontece. O praticante fará um único exame para faixa verde. Se for aprovado normalmente receberá o título de faixa verde 4º kyu. Todavia, se realizar um excelente exame e for aprovado com louvor, receberá o título de faixa verde 3º kyu, e um tracinho da cor marrom em sua faixa. Citei a faixa verde como exemplo, mas isso deverá ocorrer com todas as faixas coloridas. Infelizmente, muitos mercadores do Karate, infiltrados no Kyokushin, vem se aproveitando para fazer exames regulares para cada kyu, indistintamente, pois assim lucram em dobro. Fica o alerta!
Programa Karate Do - Você poderia nos contar como é a estrutura de treinamento de vocês do Karate Kyokushin?
Maurício Cantão - O treinamento do Kyokushin Karate está fincado em um tripé, ou seja, Kihon, kata e kumite. Apesar de ser um Karate de contato, o treinamento no dojo é ortodoxo e tradicional. Sosai Oyama sempre dizia: “-todo Kyokushin tem de ser completo! tem de ser bom de Kihon, bom de kata e bom de kumite”. A duração de uma sessão de treinamento varia de 01h30minh a 02h00minh como regra, mas freqüentemente temos treinos especiais com duração maior. Em meu dojo as sessões de treinamento duram no mínimo 02h00minh. O Reigi (regras de etiqueta) nas aulas de Kyokushin é muito rigoroso. Praticamente aluno não se move e não fala sem autorização prévia do Sensei. A ritualística é tradicional e cerimoniosa. O treino tem início com a saudação inicial. Ao sosai e ao Sensei. Em seguida vem o aquecimento com exercícios de alongamento, flexibilidade, resistência e força. A seguir temos o “Kihon geiko” que é a execução das técnicas básicas, sem deslocamentos, em “sanchin dachi” (tzukis, urakens, ukes, shutos) e chutes (geris) em “fudo dachi”, também sem deslocamentos. Superada essa fase treinamos o “Kihon idogeiko” que é a execução de seqüência de ataques e defesas com deslocamentos nas bases “zenkutusu dachi”, “kokutsu dachi”, “kiba dachi” e “sanchin dachi”. Em seguida treinamos os “katas” e, por fim, praticamos o “kumite”. Via de regra sempre há a execução do “Kihon geiko” em todas as aulas, ficando a cargo do Sensei estabelecer um cronograma de treinamento, dando ênfase, em dias distintos, aos “katas”, ou ao “kihon idogeiko”, ou ao “kumite”. As aulas são finalizadas com o pronunciamento, por todos e em voz alta, do “dojo kun”, “mokuso” (meditação) e saudações finais. todo ritual de saudação inicial e final é realizado na posição seiza (de joelhos sentados sobre os calcanhares).ao entrar e sair do dojo todos devem dizer um sonoro “osu” que é a abreviação da expressão japonesa “oishi shinobu” que em uma tradução literal significa “nunca desista quedo for pressionado!”.
Programa Karate Do - Sensei, temos uma facilidade muito grande de obtermos informações sobre a nossa arte marcial e a dos outros, hoje em dia na internet especificamente no youtube, mas, na maioria das vezes nem todas as apresentações dos estilos são dignas ou representadas a rigor. Nós do Karate Do Shotokan Ryu, por exemplo, por vezes somos muito prejudicados em alguns vídeos onde colocam supostos representantes do Karate Do Shotokan Ryu contra alguns outros lutadores de outras artes marciais que por sua vez representam mais dignamente suas artes. Sendo assim obviamente o representante do Shotokan Ryu as vezes demonstra um Karate deficiente e perde para o lutador de outra arte fazendo assim com que o nosso estilo de Karate seja mal representado.O Kyokushin passa pelo mesmo problema?
Maurício Cantão - Após a morte do Sosai Oyama o Kyokushin no mundo, e em especial no Brasil, vem passando pela mesma situação que passou o shotokan há algum tempo, ou seja, vem experimentando um “inchaço” desordenado e divisão em várias facções que disputam território entre si. São os mercadores da arte buscando a “porta larga” para entrar no estilo e tirar proveito do seu nome. O resultado disso foi e é catastrófico para o Kyokushin no sentido da proliferação de “faixas pretas” e “mestres” sem nenhuma qualificação técnico e filosófica dentro da arte marcial. O meu Shihan Sérgio Alves é muito duro em relação a isso. Em nossa organização eu sou o único faixa preta que atua fora do dojo particular do mesmo. Do jeito que as coisas estão andando em nosso país, dizemos com orgulho que somos a menor organização de Kyokushin do Brasil, isso porque não estamos distribuindo certificados de faixas pretas, como vêm fazendo alguns líderes de organização. O incrível é que alguns “falsos faixas pretas” fundam ou se associam a uma organização de Kyokushin hoje, por exemplo, e após poucos meses já terão dezenas de faixas pretas de diversos dans por todo Brasil e até no exterior. Como isso é possível se o tempo médio para se obtiver uma faixa preta de Kyokushin é de seis a oito anos de treinamento ininterrupto? O nome para isso é picaretagem! Infelizmente poucos de se dispõe a treinar o estilo e percorrer o caminho correto até a faixa preta. Preferem o atalho do engodo e do erro. Mas no fim não vão para lugar algum, pois de uma árvore ruim não se colhe bons frutos. Eles desaparecem da mesma forma que surgem, mas fazem um estrago por onde passam. Daqui a pouco tempo, assim como aconteceu com o Karate shotokan, teremos mais faixas pretas de Kyokushin nas ruas do que cachorros. Quando eu iniciei meus treinamentos, a faixa preta era um mito, algo distante, difícil! Era um sonho! Hoje a faixa preta (kuro obi) é ostentada por qualquer um sem nenhuma qualificação ou envergadura moral! Uma vergonha!
Programa Karate Do - Sensei, sabemos que na maioria das vezes os estilos de artes marciais são prejudicados pelas regras de campeonatos e que se um praticante de uma arte marcial se basear em lutas de campeonatos apenas para seu treinamento pessoal para situações reais ele não cresce marcialmente falando. As regras nos campeonatos de Kyokushin também limitam muito a arte de vocês?
Maurício Cantão - Como eu disse no início, temos de fazer a distinção entre o Karate esportivo, destinado às competições, que também são importantes, e o Karate marcial, destinado para situações reais de defesa pessoal ou vale tudo. Nós do Kyokushin fazemos essa distinção. No dojo treinamos, freqüentemente, situações que não existem em nossas competições, como por exemplo, socos no rosto, agarres torções, quedas, etc., mas sempre com o enfoque do Karate marcial e não do “mma”, por exemplo.
Programa Karate Do - Sensei, sabemos que pelo Karate Kyokushin ter mantido a prioridade do treinamento de respiração pesada herdada do Goju Ryu, kime, calejamento, makiwara do Karate de Okinawa vivos na arte como lamentavelmente alguns dojos de Shotokan Ryu assim não o fizeram,existe algum registro de algum outro representante do Kyokushin que também matasse touros com as mãos ou só mesmo o mestre Oyama fazia e os representantes da atualidade fazem apenas as apresentações que conhecemos de quebramento de barras de gelo e pedras?
Maurício Cantão - Não tenho conhecimento de outro membro do Kyokushin que tenha enfrentado touros. Oyama tinha características singulares que eram seu porte robusto, sua força descomunal e uma mente poderosa. Esses traços certamente o favoreceram. Mas isso, de enfrentar touros, só foi possível naquela ocasião. Era outra época, um “outro mundo”, outra realidade. Não podemos medir os feitos, declarações, demonstrações e atitudes daquela época com os olhos da atualidade sob pena de vermos tudo distorcido ou de distorcermos os fatos. Temos que levar em conta o contexto daquela realidade. No Kyokushin praticamos desde cedo o tameshiwari (quebramento). Faz parte da filosofia do estilo. O desafio do tameshiwari serve para atestar o fortalecimento do corpo, o aumento da técnica, força e velocidade, assim como, testar o espírito (coragem). Cada escola tem seus métodos de promover seus diferentes testes.
Programa Karate Do - O lutador Georges St-Pierre é um representante do Kyokushin que agrada a vocês ou pelo fato dele estar no ambiente de MMA e ter conhecimentos em Jiu Jitsu brasileiro, Boxe e Wrestling não seria uma referência do que seja o Kyokushin pra os leigos devido à mistura de artes aos olhos do pessoal do Kyokushin?
Maurício Cantão - O fato é que o Sosai Oyama, quando vivo, não admitia que nenhum Kyokushin treinasse outra arte marcial e quem o fizesse era expulso da organização Kyokushin. Infelizmente, após sua morte, é o que mais vem acontecendo, em especial no brasil. ele dizia que uma vida era pouco para se dominar um estilo, quanto mais dois, três ou quatro! Hoje basta ter uma pequena noção de socos e chutes, saber umas duas ou três quedas, como também, algumas torções e estrangulamentos, para ser considerado mestre de mma. vejo garotos sendo tratados como mestres de mma, ou seja, mestre de várias artes. Isso é ridículo! O Shihan Sergio Alves e eu continuamos fieis aos princípios do sosai Oyama e dizemos para nossos alunos: “- ou você é 100% Kyokushin ou não é Kyokushin, pois não existe 99% Kyokushin!”. Isso significa remar contra a maré e ir de encontro ao modismo que é o “mma”. Hoje temos organizações do Brasil que congregam Kyokushin Karate, kickboxing e mma, ou seja, são montadas para agradar e atrair todo tipo de público. Isso não é budo! Isso é comércio!O dinheiro advindo dessa miscelânea fala mais alto. O Sosai Oyama deve se “revirar no túmulo” por conta disso!
Programa Karate Do - Sensei Maurício Cantão, aprendemos sempre no Karate Do Shotokan Ryu quando o dojo possui uma metodologia antiga é claro, que devemos estudar muito a estrutura dos Katas e diante da compreensão dos mesmos segundo o Shihan Hirokazu Kanazawa ensinou ao meu Shihan Kung, nosso Karate se enriquece de tal forma que a técnica de kumite flui de maneira melhor e mais completa não havendo assim a limitação comumente vista em karatecas de campeonatos que se limitam ao Kizamezuki e Gyaku Zuki. Vocês do Kyokushin dão a mesma importância ao Kata que nós dos estilos mais antigos de Karate ou separam Kata é uma coisa kumite outra?
Maurício Cantão - O Kyokushin é famoso por seus torneios de kumite, todavia, poucos conhecem a riqueza do estilo e a importância que damos ao Kihon e aos katas. Estes tem a mesma importância do kumite na formação de um Kyokushin. o sosai Oyama ensinava que: “- o Kihon são as letras do alfabeto, os katas são as frases e o kumite é a conversação.”um dojo de Kyokushin autêntico dará sempre muita importância à pratica dos katas. Como eu disse, o treinamento diário em um dojo de Kyokushin é ortodoxo. Trata-se do bom e “velho” tradicional Karate japonês. muitos se espantam quando chegam no meu dojo e vêem meus alunos e eu treinando por horas Kihon e kata. Achavam que iriam ver somente kumite, trocação, bate saco, luvas, calejamento, bordoada, etc. enganam-se! O Kyokushin, como não poderia deixar de ser, só é forte em razão da ênfase que dá aos fundamentos do tradicional Karate, e o kata tem figura de destaque entre tais fundamentos. quem não gosta de Kihon e kata não tem espaço no Kyokushin. Quem gosta somente de trocação deve procurar o kick boxing, Muay Thai ou mma, mas não o kyokushin de nossa organização. Isso é anticomercial nos dias de hoje, mas nós não abrimos mão dos ensinamentos do sosai Oyama. Não abrimos mão do verdadeiro Kyokushin para atrair falsos adeptos, falsos karatecas!Já tive pessoas que quiseram treinar comigo apenas a parte de kumite do Kyokushin, mas como eu disse, eu e o meu Shihan não aceitamos isso! Karate, seja qual for à escola, tem que ter Kihon, kata e kumite. Se não tem um desses três fundamentos, deixa de ser Karate. Reforço que a prática regular do kata melhora, dentre outros, a concentração, a respiração, a coordenação psicomotora, a memorização, o condicionamento aeróbico e a resistência e explosão muscular. Todos esses elementos são ou não indispensáveis em um kumite? Claro que são!
Programa Karate Do - Sensei, sabemos da complexidade de se estudar e compreender verdadeiramente a essência técnica e filosófica do Karate e diante disso vemos que a possibilidade de algum dia o Karate se popularizar ou ao menos cair no gosto popular do povo brasileiro como foi com o Jiu Jitsu da década de 90 para cá e com o Muay Thai atualmente é pouca, mas, você acredita que a procura popular pelo Karate pode aumentar se houver mais incentivo da mídia como houve com essas duas artes marciais?
Maurício Cantão - Na realidade o que se denomina de “mma” é, basicamente, a mescla de Jiu Jitsu, Muay Thai, boxe e, mais recentemente, do wrestling americano, e não a mistura de todas as artes marciais como dizem. Tais modalidades que compõe o corpo do mma eram, basicamente, aquelas treinadas pelos lutadores de Jiu Jitsu em suas academias, a fim de encararem os seus desafios. Por isso, essas modalidades ganharam um novo fôlego na atualidade devido à explosão do mma. é bom de se dizer que o que impulsionou o mma foi a entrada dos patrocinadores, em especial do “business” norte americano no negócio.portanto, mma não é arte marcial, mas sim, uma modalidade esportiva que congrega algumas modalidades de luta e que virou business, igual ao boxe inglês.esses patrocinadores compram espaço na mídia escrita, falada, televisiva e virtual. Enfim, compram a impressa e assim por diante. Veja o programa “combate” do Sport TV. só passa mma! Raramente aparece algo sobre o Karate. Há muito tempo passou o campeonato sul americano de Karate tradicional shotokan, realizado no Pará, e ainda assim por causa do envolvimento do Lyoto Machida (estrela do ufc) e sua família. Por tudo isso, não vejo com bons olhos o futuro do Karate. Pelo menos a curto e médio prazo. Mas vamos continuar firmes com nossos ideais.
Programa Karate Do - Nos tempos dos primeiros UFC onde o mestre Royce Gracie venceu todos os lutadores de outras modalidades, na revista “Cinturão Negro” havia uma rápida entrevista com um Shihan de Karate onde o repórter perguntava após uma luta, onde um lutador de Kung Fu lutou contra um lutador de Karate e que ambos haviam acabado a luta no chão o que ele achava. O tal mestre virou e disse que lamentavelmente não havíamos visto nem Kung Fu nem Karate novamente pois,os dois haviam ficado embolados no chão como numa briga de rua pelo fato de nenhum ter conhecimento de Jiu Jitsu e ainda que tivessem não era a proposta do evento.Diante de tal entrevista confirmei já na época o que suspeitava sobre a falta de competência de certos lutadores envolvidos em tal evento que tinha como proposta os sistemas marciais mais variados se enfrentarem e enfrentarem principalmente o Jiu Jitsu da família Gracie .Sensei você acredita na possibilidade de haver algum tipo de disputa entre os estilos que seja mais proveitosa do que foram as disputas nos tempos dos desafios da família Gracie entre as artes marciais uma vez que hoje em dia o Jiu Jitsu deles não é mais um efeito surpresa para ninguém e o lutador de qualquer estilo em pé que tiver conhecimento de luta de chão pode evitar as entradas e desestruturação habitual das artes em pé que Jiu Jitsu é especialista e diante disso poderíamos ver os sistemas melhor representados do que naqueles tempos?
Maurício Cantão - Naquela época o falso “vale tudo”, como era dominado pelos Gracie, se tratava de uma novidade para todo mundo. Então os Gracie fizeram a festa! Como eu disse, proibiram as armas e técnicas que invibializavam a luta corpo a corpo e chamaram os “strikers” para o desafio. Esses, despreparados para o esporte que nascia, mas que já era dominado pelos Gracie, caíram feito “patos”. Sem falar que os adversários dos Gracie naquela época eram lutadores de péssima qualidade, hilários mesmo, beirando o ridículo!Os vídeos estão na internet pra quem quiser ver. Mas fizeram o marketing deles. Com o tempo, os outros lutadores, de outras modalidades, todos foram se adaptando ao esporte e às suas regras e as coisas foram mudando. Hoje em dia existe algum Gracie campeão de mma? Não! Hoje em dia o Jiu Jitsu domina o mma? Não! O Jiu Jitsu se tornou como não poderia deixar de ser, em apenas uma das modalidades necessárias para se praticar e lutar a modalidade esportiva denominada “mma”. E ponto!Um fato pitoresco que faço questão de relatar foi o seguinte: há um tempo, um aluno meu, faixa roxa de Jiu Jitsu, me chamou para uma luta de mma (no Kyokushin o menos graduado nunca deve chamar o mais graduado para lutar). Eu disse que iria, mas que usaria “todas as armas do Kyokushin Karate”. Iniciamos! Para dar uma lição nele, deixei que o mesmo me agarrasse facilmente e logo em seguida comecei a atacar violentamente seus olhos com os dedos, como também, dei-lhe uma violenta mordida no nariz (sangrou)! Ele gritou horrorizado e me largou! Fim de luta! Depois que ele se acalmou e se recuperou do susto, passando gelo no nariz dilacerado, eu apenas lhe falei: “-não confunda esporte com arte marcial meu jovem, e nunca mais chame o seu Sensei para lutar. por causa dessa confusão você poderia estar no mínimo cego e sem nariz!”. Eu fiz questão de usar essas armas do corpo (dedos, unhas e dentes), em detrimento de socos, chutes, joelhadas e cotoveladas, para dar um recado duro para o jovem, como também, para alguns adeptos do mma que, depois eu percebi, estavam ali para assistir o episódio! Ele entendeu e continuou treinando comigo por muito tempo, sem falar que alguns dos expectadores passaram a treinar comigo também. Diga-se que não tenho nada contra o mma, mas apenas faço objeção de como o mesmo vem sendo divulgado e festejado desde o seu nascedouro, em detrimento da verdadeira arte marcial do Karate! Enfim, bato na tecla que mma não é arte marcial, mas sim, uma modalidade esportiva que virou “businness” nas mãos dos capitalistas norte americanos. Antes tínhamos milhares e milhares de jovens com o sonho de ser jogador de futebol dos grandes clubes e da seleção brasileira, o que significa ganhar fama e fortuna. Hoje em dia também temos a geração do mma que sonha em lutar no ufc em busca da mesma fama e fortuna. Quantos chegarão lá? Esse movimento que impulsiona esses jovens lutadores da atualidade não tem nada haver com a essência e filosofia das artes marciais!Esse movimento do mma é business!!É só uma questão de por os pingos nos “is”.
Programa Karate Do - Obrigado Sensei Maurício Cantão pela entrevista concedida a nós e pelo carinho de sempre. Ter um representante do Kyokushin entre nós no blog do Programa Karate Do é maravilhoso também. Um grande abraço e sempre que precisar estamos às ordens. Os!
Maurício Cantão - o prazer foi todo meu! Lembrando que não existe Karate sem o fogo da paixão nos treinamentos! Grande abraço e bons treinos a todos karatecas!
... Um forte OSU!!!
3 comentários:
Extraordinária entrevista! Muito obrigado por abrirem mais ainda minha mente! Oss!
Excelente entrevista!
OSU!
Osu!! Sensei mc:cantão
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